O sentido das coisas- Lya Luft

Após um tempo longe do blog, volto agora a postar com certa regularidade - e com mais organização, é claro. Só que hoje, vamos falar de um assunto mais diferenciado.
Falar de filmes, livros e muitas outras coisas que fazem parte do entretenimento e do conhecimento  geral é ótimo! Mas cultura não é só isso. Às vezes, faz parte também refletirmos sobre o mundo e os acontecimentos  ao nosso redor.  Foi pensando nisso que resolvi trazer esse texto que encontrei há uns tempos em uma revista Veja que li, da escritora Lya Luft. Vou reproduzi - lo aqui para que todos tenham conhecimento dele: 

Revista Veja, edição 2437, 5 de agosto de 2015



  "O sentido das coisas
Sempre procurei, tantas vezes em vão; encontrar o significado de tudo. Por exemplo, por que há pessoas boas e más, por que as pessoas boas fazem coisas más e vice-versa, por que entre
pessoas que se querem bem pode haver frieza ou até maldade, por que... lista infindável, ainda mais para quem tem um pouco de imaginação. A cada momento reinventamos o mundo, reinventamos a nós mesmos, reinventamos nossos afetos para que seja tudo menos doloroso.


Escrevendo sobre a situação do Brasil um pequeno livro que  deve aparecer em breve, observo ainda mais intensamente o que acontece, tanta coisa inacreditável, mas real. Assim reflito quase constantemente sobre todas as loucuras, baixezas,  perigos, sustos, desalentos atuais, aqui e ali uma luzinha minúscula que logo bruxuleia.  Vai se apagar para sempre? Nada é para sempre. As coisas más, as fases ruins, também hão de passar. Mas, no momento, não sou otimista. Falsidade,mentiras, arzinho superior e palavras fantasiosas sobre questões fundamentais, apontar o dedo para o adversário, tudo é pior do que a dura verdade. Assustam-me discursos com que neste momento dramático alguns negam ou diminuem a gravidade da situação, revelando-se o desvio de inacreditáveis fortunas que deveriam atender o povo mais carente, a maior vítima desse desastre, um povo despossuído, sem as coisas essenciais que lhe têm sido negadas -não por uma fatalidade, mas por ganância de quem já tinha uma boa fortuna, mas queria mais, e mais. 

  Hoje, os acusados reagem com ironias, ameaças, invenções: mas fizeram de nós um dos piores países do mundo em quase tudo,  sobretudo educação e segurança. Ninguém assume a sua

responsabilidade, antes crítica adversários ou países mais adiantados, como se fôssemos todos uns pobres crédulos. Começamos a perceber o que se passa no nevoento território da política que fragilizou a economia, e é cenário de tão grave incompetência e irresponsabilidade. Na grande negociata nunca vista, quase todos tinham seu preço: não foi barato. Pouco sobrou para o brasileiro que ignorava esses fatos que atingiram seu bolso, sua esperança e suas possibilidades de uma vida decente.


A política influenciou e dominou nossa existência nos últimos anos, com gestão incompetente, péssimo planejamento, desorganização nas contas públicas,  maquiagem do desastre que foi escondido de um povo mal informado porque mal escolarizado (não é por acaso que negligenciamos tanto a educação). A pátria - mãe desvia o rosto; nós,  os filhos,  largados na floresta como num conto de fadas sinistro. Os próprios investigadores das gigantescas fraudes, impressionados, admitem estar diante de tramas de dimensão e sofisticação nunca vistas. 


A paisagem brasileira está de pernas para o ar: nada faz muito sentido, tamanho o escândalo . Para começar, os salários com que tentamos manter uma vida honrada são patéticos diante das cifras roubadas, apresentadas pelos competentes e corajosos investigadores. Irresponsabilidade e incompetência comandaram as façanhas que esfacelaram o país, agora rebatizada de "malfeitos". Espantoso: os desvios não eram efetuados por bandidos oficiais, mas por grandes empresários que admitem, talvez forçados pelo medo, que, se não tivessem entrado no esquema de corrupção e pagado as irreais propinas, suas companhias teriam ficado "de fora" da roda dos mafioso, prejudicando seus acionistas e trabalhadores. 

Quase todos afirmam com veemência de que nada sabiam: viviam em outro planeta. Não saber de nada passou a ser um triste refrão. 


Os investigados, denunciados e presos continuam protestando contra tamanha maldade: todos vítimas do lobo mal da Justiça. Seus defensores encenam uma ópera-bufa de delirantes explicações: roubalheira mascarada de comportamento legal,nos parâmetros da decência. Se essas ficções patéticas fizessem sentido, nuncateria havido tantos inocentes no mundo: as elites e os estrangeiros seriam os culpados.  Essa farsa acabou: não há desculpa perante uma nação ferida."

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